As aulas começaram no segundo semestre de 2021. Agora, os idosos indígenas, 20 mulheres e 8 homens, conquistaram o título de educadores políticos sociais do envelhecimento humano. Os alunos fazem parte de seis aldeias: Funil, Rio Verde, Salto, Saltinho, Porteira e Recanto Krite.
Indígenas Xerente durante formatura da Universidade da Maturidade — Foto: Patrícia Lauris/g1
Uma mistura da cultura do homem branco e indígena marcou a cerimônia de formatura. Toda a solenidade foi celebrada em português e akwê, idioma comum da etnia.
No decorrer do curso, a turma perdeu dois colegas e na formatura, eles foram homenageados. Uma das perdas foi a de Suzana Xerente. Quando o curso dava seus primeiros passos, ela chegou a conversar com a TV Anhanguera para falar das expectativas para as aulas ainda em 2021.
O irmão dela, Augusto Xerente, de 53 anos, um dos formandos, contou que Suzana morreu no dia 7 de fevereiro de 2022 e que foi difícil continuar as aulas. “Eu estava até desistindo, mas depois voltei. Hoje o sentimento é de tristeza, mas também de alegria. Estou aqui como pai também”, disse, afirmando que incentiva os estudos dos três filhos.
Augusto Xerente precisou enfrentar a dor de perder a irmã durante o curso da UMA — Foto: Patrícia Lauris/g1
Aos 58 anos, Iraci Xerente, uma das formandas, disse que o momento é de muita felicidade e que começou a fazer o curso para não ficar ‘esquecida em casa’.
“Para mim foi bom, a gente recordou tudo que estávamos guardando. Hoje nós estamos aqui se formando como era antigamente, que ensinou a passar a cultura, tradição. Estou aqui muito feliz poque a gente nem pensava que iria chegar aqui com essa beca”, afirmou, relembrando que nas aulas eram tratados muitos temas da cultura e da língua tradicional da etnia Xerente.
O outro colega que faleceu durante o curso é cunhado de Iraci. Ela disse que eles se formariam juntos. “Não é todo mundo que chega nessa idade, que enfrenta. Perdemos meu cunhado, minha irmã está só, lutando, mas ela está continuando. Mas a vida é assim, a gente tem que continuar”, disse.
Iraci Xerente, de 58 anos, disse que começou a fazer curso para não ficar ‘esquecida em casa’ — Foto: Patrícia Lauris/g1
Trabalho de muitas mãos
De acordo com o secretário municipal de Educação de Tocantínia, André Gouveia, que tem parceria com o projeto pioneiro no Brasil de levar educação universitária para os idosos das aldeias da região, a preparação da formatura começou há cerca de seis meses e tudo levou em consideração a valorização dos povos tradicionais.
“Sabíamos que era um projeto diferente, mas não imaginávamos a dimensão que era a Universidade da Maturidade. Mais do que um curso de extensão, é uma promoção de vida, um reconhecimento do valor da vida”, disse em seu discurso, afirmando que o trabalho foi feito por ‘muitas mãos’, agradecendo aos envolvidos.
O secretário foi escolhido como paraninfo da turma. Já a coordenadora da UMA, Neila Barbosa Osório, foi homenageada ao ter o nome escolhido para a primeira turma de indígenas idosos formandos no Brasil.
“A universidade tem o poder de fazer algo real, de sair e enfrentar tantos desafios, saber que a gente tem muito que aprender aqui fora, principalmente coragem. Acho que foi ato de coragem, de sair dos muros. Aqui a gente começou a aprender a escutá-los. Porque esse processo de criar primeiro laços afetivos e adquirir confiança é muito longo. Porque as pessoas vem aqui, sugam e vão embora sem a dar a mínima satisfação”.
Anciãos se formaram na primeira turma indígena do Brasil — Foto: Patrícia Lauris/g1
A secretária dos Povos Originários e Tradicionais Narubia Werreria também fez parte da mesa durante a cerimônia de colação de grau dos formando e falou da importância da iniciativa.
“Representa uma acessibilidade que nunca existiu. É um projeto pioneiro não só aqui no estado, mas em todo o território nacional e uma valorização dos nossos anciãos que são extremamente invisibilizados diante de uma população que sofre esse apagamento histórico. Trazer a universidade para dentro desses territórios, que visa esse público que representa toda a sabedoria ancestral é muito significativo”, pontuou.
Para o coodenador da UMA em Tocantínia, professor Leonardo Sampaio, os alunos tiveram grande evolução pessoal no decorrer do curso.
“Poder ver o sorriso, a felicidade deles motiva qualquer um, todos nós professores, e ver a evolução deles. Eles não estavam acostumados a ser ouvidos porque a juventude hoje quase não quer mais ouvir nossos anciãos. Ter aquele espaço de abertura aonde eles são protagonistas do próprio conhecimento foi fundamental. Dentro da UMA percebemos que somos todos diferentes e é isso que faz o Brasil ser diferente. Temos que garantir que a educação chegue para todas a idades”, destacou o professor, afirmando ainda que quando a comunidade vê um ancião vestido de beca, encoraja eles a serem capazes de alcançar os objetivos de vida.
Leonardo explicou também que a segunda turma de indígenas idosos do Brasil deve se formar no próximo ano.