by @isvilaine
Brazil, I’m devastated
O Fóssil do Dia, o anti-prêmio recebido ontem pelo Brasil e oferecido pela CAN, era algo impensável dias antes da COP. O país vinha para a conferência com a cabeça erguida, ostentando uma redução de emissões que poucos ou nenhum país foi capaz de apresentar, metas climáticas sob Paris (NDCs) renovadas e um discurso que poderia inspirar tanto os países do Norte, quanto os do Sul a fazer mais. Os planos de expansão da produção fóssil já decepcionavam, mas o anúncio de entrada no cartel de combustíveis fósseis logo no começo da COP 28 fez a sociedade civil global colocar os óculos para olhar para o Brasil. O leilão de 603 poços de petróleo na costa brasileira, marcado para o dia 13/12 – apenas um dia depois do encerramento da Cúpula do Clima –, chocou muita gente.
Sabotagem
“Se o ministro queria estragar a boa imagem do Brasil na COP ele fez isso de uma forma muito competente. Tanto é que hoje está aqui a realização na prática da performance desastrosa do ministro em anunciar que o Brasil ia entrar pra Opep. O Brasil ganha o fóssil do dia graças ao ministro de Minas e Energia”, diz Márcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, disponível para entrevistas durante toda a COP (Solange Barreira faz a ponte: +55 11 98108-7272).
Seis por meia dúzia
A premiação citou um estudo que mostra que se o país explorar todo o potencial estimado pela Petrobras de combustíveis fósseis existentes na foz do rio Amazonas, essa extração sozinha anularia a redução de emissões projetadas se o desmatamento na Amazônia for zerado. Isso manteria o Brasil entre os maiores poluidores do planeta – está pelo menos entre os 6 maiores poluidores atualmente. A informação foi trazida por Giovana Girardi, na Agência Pública.
“Esse montante de emissões seria equivalente, grosso modo, a continuarmos desmatando até 2035 ou até 2060 (considerando que cumpriremos com a NDC em 2025 e depois vamos freando linearmente o desmatamento). Ou seja, explorar a Margem Equatorial seria equivalente ao dano causado pela postergação entre 5 anos e 30 anos da meta de desmatamento zero”, explicou à Pública David Tsai, coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), que fez o cálculo a pedido da reportagem.
Ele está na COP28 e disponível para entrevistas (a assessora Isis Rosa, do IEMA, faz a ponte +55 11 98116-4880).
Última gota
O mundo está sendo devastado pelo excesso de calor provocado principalmente pela queima de combustíveis fósseis, mas a Petrobras quer mais. Também na Pública, Ana Beatriz Anjos reporta que o presidente da empresa, Jean Paul Prates, deixa claro que a crise climática é a última das preocupações da empresa, que planeja ser retardatária na transição energética. E ele diz isso no ano em que praticamente todo o território nacional viveu eventos extremos exacerbados pelo aquecimento global.
Construtivo
O prêmio Fóssil do Dia não deixou de reconhecer que a diplomacia brasileira tem dado uma boa contribuição nas negociações da COP28. Depois de falar com um dos negociadores e de ouvir observadores que tem acompanhado em detalhes as tratativas, consegui apurar ao menos três posições do Brasil nesta Cúpula em temas de preocupação da sociedade civil:
Eliminação dos combustíveis fósseis
Ainda há muitas linguagens sobre a mesa sobre como abordar a energia suja, a maior causa da mudança do clima. Eliminação (phase-out) está entre as mais fortes, com outros termos mais tênues sendo propostos. A boa notícia é que o país não será um bloqueador – se um consenso for construído em torno de phase-out, não irá se opor. Isso não é pouco. A Arábia Saudita já sinaliza que não aceita essa nomenclatura, e outros bloqueadores tradicionais no tema – EUA, Austrália, Japão, para citar só três – devem ser muito mais pressionados se quisermos ver um compromisso forte nesta COP. A manifestação dos sauditas é motivo de alguma esperança de que a linguagem mais forte pode estar ganhando adesão
Virou a chave
Os meses de junho, julho e agosto de 2023 fizeram a ficha cair para muitos membros do Itamaraty. A destruição do inverno como conhecemos e a alteração profunda no regime de chuvas em um estágio ainda muito inicial da mudança do clima deve soar um alarme para um país essencialmente agrícola, florestal e com centros urbanos que nunca foram preparados para desastres naturais. A diplomacia brasileira está agora se empenhando em garantir que as metas do clima dos demais países estejam alinhadas com o objetivo de manter o aquecimento global abaixo de 1,5ªC. E quer ajudar a encontrar uma definição objetiva do que significa “alinhado a 1,5ªC”. Isso pode gerar inclusive, novas consultas ao painel de ciência climática da ONU, o IPCC, já que as ações sob o Acordo de Paris precisam estar baseadas na melhor ciência disponível.
O que restou do céu
Quanto carbono ainda podemos emitir antes de um ponto de ruptura climático, se é que ele já não chegou? A diplomacia brasileira quer impulsionar um movimento para delimitar claramente o tamanho deste ativo global comum – o espaço faltante na atmosfera para mais gases de efeito estufa. Sem isso, avaliam, uma tragédia dos comuns é inevitável, já que cada país pode correr para usar primeiro esse espaço que falta.
Negociador-chefe
Este é o momento para saber mais sobre o que o Brasil aporta para as negociações em Dubai. O embaixador André Corrêa do Lago fará briefing à imprensa hoje (5), das 14h30 às 15h00, na Press Conference 1 (Zone B8).
Bruta flor do querer
A versão mais recente do Global Stocktake (GST), o balanço da ação climática global que servirá como texto final desta cúpula, saiu nesta madrugada. Neste momento o GST ainda é uma lista de desejos de cada país com a qual ninguém está feliz, segundo observadores do processo. Leia aqui. Hoje o documento passará em consulta e haverá mais clareza sobre a posição de cada país. A próxima versão é esperada para sexta-feira (7).
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O estágio geral da negociação da COP28, com indicação inclusive dos pontos de acordo já obtidos, podem ser acompanhados neste monitor.
ERREI
Ontem eu escrevi que um buraco do tamanho do Maracanã está em risco iminente de se abrir no centro de Maceió em decorrência das atividades de mineração da Braskem realizadas até 2019. Na verdade, a vala gigante pode ser formada nas imediações dos bairros que já foram “cancelados” na cidade, na região da Lagoa Mundaú, na capital alagoana.
Em outra nota, um trecho foi deletado sem querer dificultando a compreensão:
Além do seu currículo, a principal defesa para sua escolha foi a de que a indústria petroleira precisava ser envolvida nas negociações de clima. Isso significa que o texto do Global Stocktake (GST), que servirá como texto final das negociações de 2023, terá um cronograma claro para a eliminação organizada da energia fóssil.
Por que outra razão um petroleiro que não acredita na ciência do clima presidiria uma COP?
Versões revisadas desses boletins diários ficam nesta pasta
Em tempo: Horas atrás, a Braskem cancelou sua participação na COP 28 em meio à maior tragédia ambiental urbana do Brasil em andamento em Maceió (AL).
Fora, poluidores!
Um relatório – Kick Big Polluters Out – será lançado hoje na COP28 para falar dos poluidores presentes ao evento. O lançamento começa cedo (demais?), às 9h30, mas você terá oportunidade de entrevistas se conversar com os assessores nesta terça (5). Release completo aqui.
Ontem (4), vítimas da Vale foram a um evento da companhia na COP28 para impedir que a mineradora use a Cúpula para propaganda verde. Vídeos dessa interação foram compartilhados por quem passava pelo evento no Grupo de Whatsapp COP 28 Jornalistas (ainda não está lá? Peça entrada para a assessora Juliana Zambelo +55 11 97317-8522) – eu reuni neste drive, não há créditos.
Mineradoras verdes
Além das gigantes brasileiras, outra empresa acusada de violações ambientais no Brasil e que está na COP falando de sustentabilidade é a norueguesa Norsk Hydro. Eles estão inclusive anunciando seus planos climáticos nas operações brasileiras com base em CCS (saiba porque os planos climáticos de países ou empresas não devem se basear nesse tipo de tecnologia lendo este estudo da Smith School, do Reino Unido, lançado agora).
A Hydro tem brigado na justiça para não se responsabilizar por contaminações por metais pesados em Barcarena (PA). Conheça essa história em detalhes neste documentário da Bloomberg, lançado este ano pelas jornalistas Jessica Brice e por Sheridan Prasso.
Disputar o imaginário
O sucesso da ação climática também depende de um engajamento das pessoas no debate climático. Isso é difícil quando a discussão climática tende a ser pessimista ao apontar para o risco existencial do aquecimento global. Pior ainda quando falamos das negociações, que são difíceis de compreender e avançam lentamente, frustrando a opinião pública.
Um esforço para conectar cultura e clima está sendo liderado pelo Brasil, anfitrião da COP30, e pelos Emirados Árabes, anfitriões desta COP. Saiba mais neste link. Um release em inglês está aqui.
Side Events Brasil
>>> Dois eventos brasileiros para aliar Clima e Cultura serão realizados na COP28 (veja os detalhes abaixo da minha assinatura). O primeiro será na tarde desta terça-feira (5), às 4h30 do horário de Dubai. O segundo em 8/12, com a participação da ministra da Cultura, Margareth Menezes. Mais informações com o assessor Eduardo Carvalho.
Bom dia! Aguente firme, o dia livre está chegando.
Dubai, 4 de dezembro de 2023
Cínthia Leone, Instituto ClimaInfo