Lentidão das decisões políticas sobre as mudanças do clima joga pressão sobre negociadores na COP28 para recuperar a confiança pública no processo multilateral da ONU.
A aprovação “a jato” do fundo para perdas e danos logo no 1º dia da COP28 destoa do que tem sido o padrão das negociações multilaterais sobre clima desde a primeira COP, realizada no longínquo ano de 1995. A lentidão do processo diplomático é fonte perene de frustração e desconfiança de ativistas e especialistas, mas a intensificação das mudanças climáticas nos últimos anos tem deixado essa irritação mais latente.
A ex-secretária-executiva da Convenção-Quadro da ONU sobre o Clima (UNFCCC), Christiana Figueres, aponta um caminho para destravar esse processo esquizofrênico. Para ela, uma das arquitetas do Acordo de Paris de 2015, as pessoas devem se equilibrar entre a indignação e o otimismo para encontrar forças para pressionar por mudanças substanciais.
“No momento em que desistirmos e dissermos ‘OK, estamos condenados, estamos acima de 1,5ºC, vou apenas rastejar para dentro do meu quarto e puxar os cobertores sobre os lençóis’, teremos uma profecia autorrealizável”, disse Figueres ao Guardian. “Nossa responsabilidade aqui é compreender a ameaça e fazer tudo ao nosso alcance para evitá-la”.
Esse equilíbrio entre indignação e otimismo faz ainda mais sentido se considerarmos o contexto desta COP28, presidida por um executivo petroleiro e realizada em um dos maiores produtores de combustíveis fósseis. Tudo isso convida a um cinismo que cai como uma luva nas mãos da indústria fóssil, que passou décadas tentando desacreditar o processo multilateral sobre o clima.
E é neste contexto que a sociedade global demanda entregas desafiadoras. Para muitos, os países reunidos na COP28 precisam entregar: um acordo para a eliminação gradual de combustíveis fósseis com metas e calendário claros; metas de aumento da geração de energia renovável e de eficiência energética para 2030; recursos no Fundo de Perdas e Danos de pelo menos US$ 290 bilhões; um compromisso dos países ricos com o financiamento da ação climática dos países pobres superior a US$ 100 bilhões por ano até 2030; um acordo pela entrega de planos climáticos nacionais (NDCs) mais ambiciosos na COP30 de Belém em 2025, e que abranjam todos os setores e todas as emissões.
Uma inspiração para os ativistas climáticos de hoje pode ser encontrada em Saleemul Huq, cientista de Bangladesh que se tornou um dos principais nomes na defesa da Justiça Climática e da ajuda aos países mais pobres e vulneráveis. Morto em outubro passado, Huq era um dos poucos veteranos das negociações climáticas que tinha participado de todas as COPs até a de Sharm el-Sheikh (COP27), no ano passado.
O NY Times lembrou um dos últimos textos assinados por Huq. “Enquanto o mundo se prepara para a COP28, a responsabilidade recai sobre os líderes globais, empresas e indivíduos para estarem à altura da ocasião e defenderem a causa da Justiça Climática. As nações ricas devem começar a aplicar financiamento real para perdas e danos, ao mesmo tempo que intensificam os seus esforços de mitigação e adaptação e controlam a influência da indústria dos combustíveis fósseis nas políticas climáticas. O futuro do nosso planeta depende disso”.
Em tempo: Outro desafio para a COP28 é a desinformação climática. Como o NY Times assinalou, grupos negacionistas, especialmente aqueles ligados à indústria dos combustíveis fósseis, estão aproveitando a ocasião e a falta de controle das plataformas para espalhar mentiras e distorções sobre a crise climática nas redes sociais. Até mesmo governos que estão participando da COP de Dubai, como o caso da Rússia, espalham fake news que rejeitam a responsabilidade do consumo de petróleo pelo aumento da concentração de gases de efeito estufa que causa mudanças do clima.
ClimaInfo, 1º de dezembro de 2023.
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