A concentração de renda, a flutuação de empregos, crescimento desordenado, poluição e crise hídrica são alguns dos marcadores deixados pela indústria de petróleo e gás.
A descoberta da Bacia de Campos, em 1970, mudou a história de Macaé, conhecida até então pelo turismo ecológico. Em cinco décadas, a cidade se transformou na “Capital do Petróleo”, se tornando pólo importante de extração e produção do mercado fóssil. Os valores de Royalties impressionam – em 2022, Macaé arrecadou R$ 1.44 bilhões – e, em 2021, o salário médio mensal era de 5.9 salários mínimos, a maior média do país. No entanto, existe uma realidade escondida pelo mercado fóssil: concentração de renda, flutuação de empregos, crescimento desordenado, poluição, crise hídrica e muita pobreza.
Macaé teve seu território totalmente modificado pela cadeia produtiva do petróleo e gás: sendo a principal base de apoio terrestre da exploração offshore, a cidade também abriga a Termelétrica Usina Mario Lago, o Terminal Terrestre de Cabiúnas e oleodutos. O artigo “Petróleo e Emprego: Uma Análise em Municípios Selecionados do Estado do Rio de Janeiro” avalia que municípios que recebem investimentos pesados do setor em seu território, como Macaé, são os mais atingidos pela indústria.
Já uma análise sobre o desenvolvimento econômico e social do município em uma década aponta que “a exploração de uma riqueza natural abundante, como é o caso do petróleo, pode elevar a renda per capita dos residentes dessa localidade, sem que necessariamente isso signifique uma mudança estrutural positiva da região”. De fato, a riqueza produzida pela indústria do petróleo não foi acompanhada pela infraestrutura urbana.
Alguns marcadores deixam essa constatação mais visível. O marcador de salário médio mensal é uma falsa observação da qualidade de vida: a mesma fonte – IBGE Cidades – aponta que 31.5% da população de Macaé possui domicílios com rendimentos mensais de até meio salário mínimo por pessoa. Isso coloca a cidade na posição 81 de 92 dentro do estado e 4.398 de 5.570 dentro do país. Desde 2014, existem fortes denúncias sobre a crise hídrica que assola, principalmente, os bairros mais vulneráveis. Além da violência: Macaé é o 36º município mais violento do país e 4º no estado.
O artigo “A Indústria do Petróleo em Macaé” destaca que o final dos anos 90 foi marcado pela especulação imobiliária. Uma onda de construção de prédios e condomínios de luxos e a criação de grandes bolsões de miséria em áreas periféricas, com construções irregulares nas margens dos rios, lagoas e orla marítima se abateu sobre o município.
Ao mesmo tempo, em 1997, a Lei nº 9478/97 flexibilizou o monopólio das atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural, o que contribuiu para o incremento dos investimentos no setor e o ingresso de empresas estrangeiras e nacionais na indústria.
Com isso, houve aumento da participação dos Royalties da União, estados e municípios, de 5% para 10%, ficando o estado do Rio de Janeiro com a maior fatia. Neste cenário, a Petrobras teve grande protagonismo, figurando como empresa âncora no epicentro do dinamismo econômico local. O estudo destaca que, somente depois da edição da Lei do Petróleo – um período de vinte anos – é que o município passou a receber recursos indenizatórios dos Royalties.
Uma análise da Agenda Pública buscou responder a pergunta: “como os royalties impactam a qualidade dos serviços públicos?”. No caso de Macaé, dentre as 6 dimensões de serviços prestados à população pela prefeitura, “gestão de qualidade” teve maior pontuação – 7,56 – e “mobilidade urbana” a menor – 2,60. A média da cidade foi de 5,28.
Refém do Petróleo – Com uma economia que gira em torno do mercado fóssil, Macaé se vê presa à instabilidade da balança comercial. Em 2019, O Globo mostrou a realidade de famílias que migraram para a cidade para trabalhar no setor petrolífero, mas não viram a riqueza prometida. Na época, o número de beneficiados do Bolsa Família aumentou 57% no município.
A matéria destaca que “entre 2013 e 2016, a cotação do barril caiu a menos da metade, o que desestimulou investimentos e prejudicou a cadeia de serviços na região”. Hoje, o Portal da Transparência aponta que são mais de 10 mil pessoas beneficiadas pelo Bolsa Família.
Enquanto isso, a concentração de riqueza e poder estão fora de Macaé e, inclusive, fora do Brasil. O artigo “O Circuito Espacial de Produção do Petróleo: Rede Urbana e Escalas de Poder” afirma que “as principais empresas que produzem equipamentos e executam serviços para a extração em Macaé, são grandes oligopólios do conhecimento no ramo que têm a centralidade do círculo de cooperação em Houston nos Estados Unidos”.
Apesar de ser considerada a Capital Nacional do Petróleo, é do Rio de Janeiro que saem os comandos das etapas de produção do petróleo e, em Houston, “Capital Mundial do Petróleo”, onde se instalam as corporações do centro de poder. Ou seja, a renda per capita de Macaé é obtida pela produtividade e não abarca as mudanças sociais.
Futuro sustentável – Na avaliação de especialistas, a saída da dependência fóssil é a dinamização da economia local. Um exemplo é a Lagoa de Imboassica, que possui uma área de 5km² e é lembrada pelas belezas naturais. Atualmente, devido à elevada urbanização e falta de tratamento de esgoto, o INEA (Instituto Estadual do Ambiente) classifica a qualidade da água como péssima. Mas, para Mauricio Mussi, professor do NUPEM (Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade da UFRJ), sua revitalização pode trazer qualidade de vida e fortalecer a economia local.
O especialista lista como potencial: recreação, turismo ecológico, eventos esportivos. “O contato com a natureza é comprovadamente um fator de melhoria da saúde do indivíduo, por exemplo, pela prática esportiva e a interação social ao ar livre”, explica, “e com a revitalização teremos uma área importante para o município fomentar o turismo, através do turismo ecológico ou de aventura”.
Para isso, Mauricio acredita que a administração pública deve ver uma filosofia de preservação ambiental de forma transversal, que passe por todas as secretarias. “O poder executivo deve rever a concessão do esgoto ampliando a área de abrangência”, aponta. Ele também destaca o estímulo ao reflorestamento da mata ciliar e áreas de preservação permanente (APPs) junto com proprietários de terrenos ao longo da bacia hidrográfica da Lagoa de Imboassica.
Leonardo Machado, presidente da S.O.S. Praia do Pecado reflete que, além da Lagoa, a indústria fóssil também impactou as praias de Macaé. A exemplo da ocupação na Praia da Imbetiba, que era a única praia do centro de Macaé em boas condições de balneabilidade na época, e de outras que sofreram com derramamento de óleo e poluição visual.
A ONG atua há mais de 30 anos e tem como objetivo principal criação de uma Unidade de Conservação de remanescente de restinga na Praia do Pecado. “Será classificada como Parque Natural Municipal, onde diversas atividades de preservação, educação, convívio social, pesquisa e contemplação poderão ser desenvolvidas. Existe uma imensa demanda popular por estes espaços”, explica.
Recentemente, a S.O.S. Praia do Pecado participou da aprovação do Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica, rumo bem diferente do previsto pela indústria petrolífera, que prevê investimento de mais de US$ 22 bilhões na Bacia de Campos nos próximos cinco anos. O futuro não é feito para recapitular erros antigos, já provados, de diversas formas, como insustentáveis economicamente, socialmente e ambientalmente. Macaé pode – e deve – se libertar do mercado fóssil.
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Por Juliana Aguilera, ClimaInfo.
Essa matéria faz parte do especial “Verdades inconvenientes sobre a exploração de petróleo no Brasil”, no qual o ClimaInfo se debruça em casos locais e históricos para mostrar como a indústria fóssil, apesar dos jabás, não trouxe verdadeiro desenvolvimento para as cidades brasileiras.
ClimaInfo, 27 de novembro de 2023.
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